AS PANDEMIAS E O PAPEL DO ANESTESIOLOGISTA

Após um interregno mais ou menos prolongado devido à pandemia, propomo-nos reiniciar a publicação de pequenas histórias sobre grandes vultos da História da Anestesia.
Pareceu-nos que nada melhor que recomeçar esta série de textos com uma reflexão sobre a importância do Anestesiologia no contexto das pandemias na atualidade e ao longo dos séculos…

Desde há 2000 anos que se sabe que as pandemias, a intervalos espaçados no tempo, devastam a qualidade de vida dos seres humanos.
Nestes múltiplos surtos, os profissionais de saúde, os sistemas hospitalares e todas as estruturas que os antecederam, suportaram o impacto do elevado número de doentes que recorreram aos seus préstimos, cumprindo em cada época os seus deveres profissionais de uma forma exemplar. Apesar do empenhamento dos profissionais, as pandemias têm exposto as inúmeras carências dos sistemas de saúde que tiveram sempre muitas dificuldades em se adaptarem às “avalanches” de doentes que a eles recorrem nestas épocas de crise. No entanto, neste esforço tantas vezes ciclópico, nem todos os profissionais de saúde foram expostos aos mesmos riscos. Os voluntários e algumas especialidades médicas, onde se incluem os anestesiologistas estiveram sempre na “linha da frente”, lidando com os casos mais graves. Tornaram-se assim elementos cruciais na resposta contra qualquer pandemia que curse com um componente respiratório grave ou letal.
Na história do combate às pandemias destaca-se John Snow que estudou com enorme rigor e sistematização os primeiros agentes inalatórios conhecidos, nomeadamente o clorofórmio. Utilizou o mesmo método para estudar a epidemia de cólera em Londres em 1848. Mapeou toda a cidade de Londres com o máximo de casos de cólera e descobriu que estavam relacionados com uma empresa de fornecimento de água. Ficou assim demonstrado que a transmissão da cólera se fazia pela água, mesmo antes do conhecimento dos microrganismos…
A gripe espanhola que data de 1918-19 é a pandemia mais mortal da história da humanidade. Causou 40-100 milhões de mortes em todo o mundo em 12 meses. Foi estimado que aproximadamente 10% dos jovens que viviam naquela época foram mortos pelo vírus.
Outras pandemias no séc. XX e XXI tiveram também uma importância transcendente. Destaca-se no ano de 1950 a infecção pelo vírus da poliomielite que devastou a vida de milhares de pessoas e deixando como sequelas múltiplas paralisias parciais.
Em 2003, o surto da síndrome respiratória aguda grave (SARS) chocou o mundo. Foi relatado pela primeira vez na Ásia em fevereiro de 2003 e em poucos meses difundiu-se pela América do Norte, América do Sul, Europa e Ásia afetando mais de 8.000 pessoas com uma mortalidade de aproximadamente 10%.
Em 2009, o primeiro caso de H1N1 foi relatado no México. Posteriormente, espalhou-se por 214 países em todo o mundo, matando mais de 18.000 pessoas.
Em 2012, o Coronavírus da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) e em 2014-16, o vírus Ebola que devastou a parte ocidental da África, são dois exemplos recentes de pandemias que mataram e deixaram com sequelas milhões de pessoas em todo o mundo.
Em 11 de Março de 2020 a OMS declarou como pandemia a infeção causada pelo SARS-CoV-2…
Em todas estas pandemias os anestesiologistas desempenharam (e desempenham) um papel crescente no tratamento dos doentes infetados contribuindo decisivamente para a diminuição da morbilidade e mortalidade.
Durante o surto de uma pandemia, os anestesiologistas estão sempre na linha da frente, cuidando dos casos mais graves quer na Urgência, sala de operações ou UCI. São os médicos que correm maiores riscos de adquirir a infeção pois estão envolvidos em procedimentos geradores de aerossóis, como seja a intubação endotraqueal, a ressuscitação cardiopulmonar e, por vezes, as traqueotomias. São também, por inerência das suas funções, dos mais expostos a problemas de stress mental e consequentemente sujeitos a casos graves de depressão e de disfunção familiar como se tem constatado no caso da pandemia pelo SARS-CoV-2.
Pelas suas capacidades de organização e sistematização são também os especialistas mais vocacionados para fazerem parte das equipas de coordenação e de definição de protocolos das estruturas hospitalares. O seu conhecimento abrangente e a sua atividade profissional transversal a múltiplas especialidades hospitalares fazem do anestesiologista o “elemento-charneira” entre as diversas competências médicas permitindo a realização destas tarefas de coordenação de uma forma particularmente eficaz.
Em conclusão poderemos dizer que um dos grandes ensinamentos das pandemias, principalmente a provocada pelo SARS-CoV-2, é que os anestesiologistas são cada vez mais necessários para um combate eficaz e o seu número nunca será suficiente para as necessidades acrescidas que ocorrem nestes períodos de crise. Só com a sua colaboração, empenhamento e maior influência nos sistemas de saúde, será possível reduzir drasticamente a morbilidade e a letalidade.
E não se iludam os burocratas que julgam que a sua importância se resume aos momentos de crise! No pós-pandemia os anestesiologistas serão ainda mais necessários para tratar as sequelas precoces e tardias das pandemias…

William Edward Clarke

Todas as semanas reveja uma personalidade que por motivos muito diversos está ligada à História da Anestesia. Esta semana, o escolhido é William Edward Clarke.

 Em 22 de Fevereiro de 1819, nasceu no Connecticut, Estados Unidos da América, William Edward Clarke. Desde muito novo, foi influenciado pelo ambiente familiar: o pai era médico e os seus avôs também eram médicos proeminentes.
Foi estudante de Química em Rochester, Nova Iorque. Tal como era moda na altura, utilizou éter com intuitos recreativos. Nestas festas, as pessoas eram incentivadas a inalar éter ou protóxido de azoto, e as suas reacções à inalação eram motivo de riso e divertimento entre todos os espectadores. Uma das pessoas que testemunhou estes acontecimentos nestes “convívios” promovidos por Clarke, foi TG Morton futuro “pai” oficial da Anestesia.
Em Janeiro de 1842, Clarke era estudante na Faculdade de Medicina de Vermont. Na presença do seu tutor, Professor E. M. Moore, administrou éter a Miss Hobbie (irmã de um dos seus colegas), para a realização de uma extracção dentária pelo Dr. Elijah Pope. Usou uma toalha embebida em éter e aplicou-a na face de Miss Hobbie. Posteriormente a extracção dentária realizou-se sem qualquer dor…
O resultado foi de tal forma inesperado que o Prof. Moore interpretou este comportamento tão pacífico de Miss Hobbie como um ataque de histeria perante a dor e assim instou Clarke a não continuar tais tratamentos.
Se Clarke não tivesse obedecido às directrizes do seu tutor, provavelmente hoje seria mundialmente reconhecido como o “descobridor” da Anestesia. No entanto Clarke foi pouco persistente e metódico na análise dos resultados e não voltou a repetir a experiência, pelo que este episódio só mereceu a atenção dos seus pares em 1850, já depois de Crawford Long (1842) e Thomas Morton (1846), terem feito as suas demonstrações públicas da eficácia do éter.
Clarke após graduar-se em Medicina em 1849, trabalhou como cirurgião em Michigan e Chicago e realizou o serviço militar em 1861. Dois anos mais tarde, retomou a Medicina civil em Chicago como cirurgião e ginecologista.
Morreu em Chicago em 6 de Outubro de 1894, inconsciente do seu papel na descoberta da Anestesia!…
Clarke é um bom exemplo de como as invenções só têm significado se os inventores as souberem merecer…

Na próxima semana, descubra porque é que os “Opióides”, mereceram as honras de ser nomeado por este “site”!

Anesthesia Basic Support – Imagens

Anesthesia Basic Support é o novo suporte básico para anestesistas produzida pelo serviço de anestesiologia do Instituto Português de Oncologia de LIsboa Francisco Gentil.

Esta aplicação é baseada no maual de procedimentos do serviço de anestesiologia do IPOLFG. Já está disponível para dispositivos android na google play e brevemente estará disponível para dispositivos IOS na app store da apple.

Veja as imagens

 

O anestesiologista na analgesia pós-operatória – Parte prática

O workshop compreenderá a obrigatoriedade de 16 horas de prática clínica (2 dias de trabalho), integradas na actividade diária da Unidade de Dor Aguda, com a possibilidade de serem dilatadas até 40 horas (5 dias de trabalho), para quem se mostrar interessado.
Esta parte prática só será realizada após a frequência da parte teórica.

Solicitamos, por isso, aos inscritos nos wokshops (Outubro e Novembro) que entrem em contacto connosco para o telefone 217229885 (todos os dias úteis entre as 9h30 e as 15h30) para que agendemos os dias de prática clínica que pretendem frequentar.

Importa salientar que estes dias de actividade prática devem ser seguidos e serão marcados na base de “first come first served”.

Nota: Os internos de Anestesiologia que já fizeram ou venham a fazer o Estágio de Dor Aguda na nossa Unidade até Março de 2014, estão dispensados de frequentar a parte prática, se assim o entederem.