|Factores humanos em Anestesia| ANTS e “segurança psicológica”

Todos sabemos que para ser um bom médico e anestesiologista são fundamentais competências técnicas. Conhecimentos teóricos, desde farmacologia e fisiologia a benefícios e contra-indicações de dada técnica anestésica, e destreza prática a realizar procedimentos como colocação de catéteres epidurais ou intubação orotraqueal. Ambos igualmente imprescindível para uma prática autónoma e segura. Mas recentemente, uma ênfase crescente está a ser dada a elementos que ultrapassam o que classicamente era considerado no currículo da Anestesiologia – factores humanos e competências não técnicas.
Numa visão inspirada pelos esforços na aviação de aumentar a segurança e fiabilidade de sistemas, o conceito de ANTS – Anesthesia Non-Technical Skills (1) – procura tornar-nos aptos a lidar mais eficazmente com as situações complexas que a prática anestésica requer diariamente, melhorando a nossa gestão de tarefas e trabalho em equipa. Desenvolve competências transversais a qualquer prática anestésica de qualidade, procurando melhorar o desempenho dos profissionais de saúde e a segurança dos doentes.
É importante compreender que os factores humanos vão para além de checklists ou modelos de organização mental, e o seu efeito para além dos limites do bloco operatório ou enfermaria.
 
Na realidade, os factores humanos condicionam toda a prática clínica assistencial, e se empreendemos tão grandes esforços para apurar as nossas competências técnicas, investindo em ensaios clínicos, formação médica contínua e elaboração de protocolos, devemos igualmente compreender como outros factores podem melhorar o nosso desempenho. Sendo o trabalho em equipa um dos pilares das ANTS, e uma realidade incontornável da prática anestésica, torna-se interessante explorar o que lhe permite ser produtiva e eficaz. O Projecto ARISTOTLE, que decorreu desde 2009 na Google, analisou o trabalho de centenas de trabalhadores, procurando identificador os factores associados às equipas que obtinham melhores resultados(2). Os factores associados ao sucesso, mais do que características dos elementos individuais da equipa, correspondiam a uma “cultura de trabalho” própria, que favorecia que cada um dos elementos desse o melhor de si à tarefa em curso. 5 características de “equipas de sucesso” foram identificadas (figura 1). A que claramente parecia ter maior impacto era a de psychological safety/”segurança psicológica”, definida por um ambiente em que as pessoas se sentiam livres de expressar as suas opiniões, dar sugestões abertamente sem medo de criticismo ou represálias, e em que se tenta que todos os elementos da equipa se envolvam nas decisões. 
Na aplicação do estudo de factores humanos à aviação, e mais tarde nos conselhos práticos dos ANTS, já era presente a noção de que uma estrutura hierárquica demasiado rígida e uma estratégia punitiva vs construtiva na identificação e correcção de erros levavam a piores resultados. Vários estudos demonstram que isto se aplica aos profissionais dos cuidados de saúde (para quem tenha mais curiosidade sobre o tema, recomendo o livro “Smarter, Better, Faster”, de Charles Duhigg).
Nenhum destes conceitos ou estudos garante uma fórmula mágica ou princípios absolutamente universais, mas representam uma área que potencialmente pode melhorar a nossa prática. Tudo o que é necessário para os aplicar é vontade e alguma reflexão, e poderemos sair todos beneficiados, especialmente os doentes. 
 
1- R. Flin, R. Patey,R. Glavin, N. Maran. Anaesthetists’ non-technical skills. Br J Anaesth (2010). 105 (1): 38-44. DOI: https://doi.org/10.1093/bja/aeq134
 
2 – Duhigg C. What Google Learned From Its Quest to Build the Perfect Team.

In The New York Times Magazine.  Fev 25, 2016

 
Figura 1 –