Guerras e Anestesia

Todas as semanas reveja uma personalidade que por motivos muito diversos está ligada à História da Anestesia. Esta semana, o escolhido é “Guerras e Anestesia”

A “personalidade” que hoje vai estar em análise chama-se “Guerra”!…
Desde sempre a “Guerra” teve um papel preponderante na evolução dos povos. Foi sempre um motor de desenvolvimento criado pela necessidade de se obterem determinados objectivos prementes. A anestesia, como complemento da cirurgia, não fugiu a esta regra. Vejamos um pouco da sua atribulada história durante as guerras…Apesar de oficialmente a Anestesia só ter iniciado a sua existência em 1846, não há dúvida que o alívio da dor foi desde sempre uma motivação dos homens. Os escritores clássicos sempre aludiram a várias plantas (ex: ópio, mandrágora, cânhamo indiano), com propriedades analgésico/sedativas.
No entanto as primeiras descrições pormenorizadas sobre o uso de técnicas anestésicas em cenários de guerra reportam ao conflito militar entre os Estados Unidos e o México em 1847. Dois meses após a demonstração da primeira operação indolor com éter por William Morton, Edward H. Barton e John B. Porter administraram éter no campo de batalha para a realização de amputação dos membros!
Apesar das dificuldades de comunicações na época é espantoso como o éter é também usado no Verão de 1847 pelas forças militares russas no Cáucaso. Spencer Wells, médico inglês descreve a anestesia de 106 doentes em Malta no mesmo ano. Em 1848 os dinamarqueses também usaram clorofórmio no campo de batalha.
Posteriormente na Guerra da Crimeia (1853-1856) e na Guerra Civil Americana (1861-1865), o éter, o clorofórmio ou a combinação dos dois anestésicos foram usados rotineiramente com este objectivo.
Cada guerra “aprendeu” com as lições das guerras anteriores com o fim de melhorar as técnicas anestésicas. Foi neste sentido que o cirurgião George Washington Crile, afirmou que a maior lição aprendida com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), resume-se ao conceito resumido na seguinte frase: “o paciente cor-de-rosa não pode morrer”. É esta noção da importância da cor do doente como mostruário exterior do estado interno, que deve conduzir ao desenvolvimento de todos os esforços para salvar o doente. Foi também na Primeira Guerra Mundial que a par da utilização da anestesia loco-regional e local, se desenvolveu o “Flagg can” um vaporizador de éter para anestesiar. Este utensílio, ainda foi muito útil na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), quando os equipamentos anestésicos e/ou os gases comprimidos não estavam disponíveis.
A Guerra do Vietname (1959-1975) trouxe dois grandes desafios para a anestesia: a multiplicidade de lesões sofridas pelos militares e a necessidade de evacuação rápida dos feridos do teatro de guerra para um hospital. Estes factos levaram a um maior desenvolvimento da anestesia geral em detrimento da anestesia loco-regional, à implementação de novas técnicas de ressuscitação cardiopulmonar mais eficazes, ao desenvolvimento de técnicas cirúrgicas mais complexas bem como à implementação de unidades de cuidados intensivos.
As tentativas de se implementarem estes pressupostos na Guerra do Camboja (1970-1975) e na Guerra Civil Angolana (1975-2002), foram infelizmente infrutíferas, devido à estratégia das partes beligerantes em destruírem sistematicamente os serviços de saúde. Nestas guerras, o anestésico de escolha foi a cetamina. Este fármaco também foi usado intensivamente pelos serviços médicos italianos nas guerras da Somália (1994) e do Uganda (1999). Foi no entanto na Guerra das Malvinas ((Falklands) (1982), que a cetamina foi inicialmente utilizada de uma forma rotineira. Esta guerra ficou também marcada pelo desenvolvimento do Triservice anesthetic apparatus (TSA)”, um aparelho anestésico portátil e miniaturizado, e pelo desenvolvimento da técnica de anestesia geral endovenosa. Esta técnica é posteriormente desenvolvida em 1991 na Guerra do Golfo Pérsico com a utilização combinada de cetamina e propofol.
A tática de guerra mais recente é o terrorismo!…
Provavelmente será necessário desenvolver uma nova abordagem anestésica que exigirá soluções únicas baseadas em lições do passado…

Na próxima semana, descubra porque é que Francis Foldes, mereceu as honras de ser nomeado por este “site”!